segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
Da poeta ELISA LUCINDA, no livro "O Semelhante".
ADOÇÃO
Não sei se te contei
mas há algum tempo sou minha
me adquiri num mercado
onde o escambo era da posse pela liberdade
me obtive numa dessas voltas da morte
me acolhi num desses retornos do inferno.
Dei banho, abrigo, roupas, amor enfim.
Adotei o meu mim
como quem se demarca e crava em si o mastro da terra à vista
a cheiro, a tato, a trato, a paladar e ouvido.
Não sei se te contei
me recebi à porta da minha casa
abracei, mandei sentar
Abracei eu mesma, destranquei a porta
que é preu sempre poder voltar.
Dei apenas o céu à sua legítima gaivota
Somos a sociedade
e ao mesmo tempo a cota
Visita e anfitriã
moram agora num mesmo elemento
juntas se ancoram
na viagem das eras
No novelo do umbigo
No embrião do centro
No colo do tempo.
sábado, 29 de janeiro de 2011
ADÉLIA PRADO, no livro "A duração do dia".
TÃO BOM AQUI
Me escondo no porão
para melhor aproveitar o dia
e seu plantel de cigarras.
Entrei aqui pra rezar,
agradecer a Deus este conforto gigante.
Meu corpo velho descansa regalado,
tenho sono e posso dormir,
tendo comido e bebido sem pagar.
O dia lá fora é quente,
a água na bilha é fresca,
acredito que sugestiono elétrons.
Eu só quero saber do microcosmo,
o de tanta realidade que nem há.
Na partícula visível da poeira
em onda invisível dança a luz.
Ao cheiro do café minhas narinas vibram,
alguém vai me chamar.
Responderei amorosa,
refeita de sono bom.
Fora que alguém me ama,
eu nada sei de mim.
Me escondo no porão
para melhor aproveitar o dia
e seu plantel de cigarras.
Entrei aqui pra rezar,
agradecer a Deus este conforto gigante.
Meu corpo velho descansa regalado,
tenho sono e posso dormir,
tendo comido e bebido sem pagar.
O dia lá fora é quente,
a água na bilha é fresca,
acredito que sugestiono elétrons.
Eu só quero saber do microcosmo,
o de tanta realidade que nem há.
Na partícula visível da poeira
em onda invisível dança a luz.
Ao cheiro do café minhas narinas vibram,
alguém vai me chamar.
Responderei amorosa,
refeita de sono bom.
Fora que alguém me ama,
eu nada sei de mim.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
MARCO DE MENEZES
Seu livro "Fim das Coisas Velhas" recebeu os prêmios Açorianos de Poesia e Livro do Ano, 2010.
Dele, o poema
poesia
a mais negra das artes
pasto escasso dos dervixes
como o azeviche
o negro dos dedos de fuligem
ou de haxixe
os dedos de vertigem
que, branco quebradiço,
ao apontarmos
nos partem
que nenhum deus nos aguarda
poesia
extravio da bagagem
em outra margem
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
CECÍLIA MEIRELES, em "Retrato Natural" (1949)
APRESENTAÇÃO
Aqui está minha vida - esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz - esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.
Aqui está minha dor - este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança - este mar solitário,
que de um lado era o amor e, do outro, esquecimento.
Aqui está minha vida - esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz - esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.
Aqui está minha dor - este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança - este mar solitário,
que de um lado era o amor e, do outro, esquecimento.
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
FERNANDO PESSOA (1888-1935)
Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro,
faz bem só pensar em ver
seu corpo meio maduro.
Seus seios altos parecem
(se ela estivesse deitada)
dois montinhos que amanhecem
sem ter que haver madrugada.
E a mão do seu braço branco
assenta em palmo espalhado
sobre a saliência do flanco
do seu relevo tapado.
Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?
É alta, de um louro escuro,
faz bem só pensar em ver
seu corpo meio maduro.
Seus seios altos parecem
(se ela estivesse deitada)
dois montinhos que amanhecem
sem ter que haver madrugada.
E a mão do seu braço branco
assenta em palmo espalhado
sobre a saliência do flanco
do seu relevo tapado.
Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
VINICIUS DE MORAES
SONETO DA MULHER AO SOL
Uma mulher ao sol - eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lábios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o pólen da luz.
Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol - eis tudo o que eu preciso
O ventre terso, o pelo úmido, e um sorriso
À flor dos lábios entreabertos para o gozo.
Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
Em quem beba e a quem morda e com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluce
E tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente - e se deixa a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir...
A bordo do Andrea C.,
a caminho da França,
novembro de 1956.
Uma mulher ao sol - eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lábios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o pólen da luz.
Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol - eis tudo o que eu preciso
O ventre terso, o pelo úmido, e um sorriso
À flor dos lábios entreabertos para o gozo.
Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
Em quem beba e a quem morda e com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluce
E tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente - e se deixa a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir...
A bordo do Andrea C.,
a caminho da França,
novembro de 1956.
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
ÉLVIO VARGAS
Mais um belo poema de meu amigo e excelente poeta Élvio Vargas. Esse, ele enviou para o blog da poeta e psicanalista Adriana Bandeira: Indecentes Palavras.
Eis o poema:
ALEXANDRIA
O cálice do desejo
transborda, viscoso
um filete branco que aos poucos
vira córrego pela enseada
serena de tuas pernas.
Umbigo e abdômen enfrentam
o arremesso da flecha.
A luz do punhal
ilumina com um clarão de lua
o arco que circunda o pátio.
Tules derramam-se nas
cortinas do quarto.
A cama navega
esculpida em marfim
peroba e alabastro.
Os lençois de linho
ungem com óleo e alfaia
as reluzentes páginas da pele.
Teu útero- um abismo-
que não meço pela profundidade
esquadrinho pelos labirintos.
Sodoma, Alexandria, Persépolis, Babilônia
ali sepultaram suas ruínas e triunfos.
Esperma por mim
até que floresçam
figos, seios e maçãs...
ÉLVIO VARGAS
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
Outro poema da Claudia Schroeder
sábado, 15 de janeiro de 2011
Do livro "Leia-me toda", de Claudia Schroeder
Verbos
Eu deveria estar escrevendo
mas estou lavando o seu prato.
Eu deveria estar gozando
mas não consigo dar início ao ato.
Eu gostaria de estar sorrindo
mas a tristeza é fato.
Eu deveria tanto
eu deveria aos prantos
eu deveria tudo, de quatro.
quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
FEDERICO GARCÍA LORCA
O poeta pede a seu amor que lhe escreva
AMOR de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.
Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de mordiscos e açucenas.
Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.
AMOR de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.
Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de mordiscos e açucenas.
Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.
domingo, 9 de janeiro de 2011
MARIO QUINTANA, em "Rua dos Cataventos & Outros Poemas"
XII
Para Erico Verissimo
O dia abriu seu pára-sol bordado
De nuvens e de verde ramaria.
E estava até um fumo, que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado.
Depois surgiu, no céu azul arqueado,
A Lua - a Lua! - em pleno meio-dia.
Na rua, um menininho que seguia
Parou, ficou a olhá-la admirado...
Pus meus sapatos na janela alta,
Sobre o rebordo...Céu é que lhes falta
Pra suportarem a existência rude!
E eles sonham, imóveis, deslumbrados,
Que são dois velhos barcos, encalhados
Sobre a margem tranquila de um açude...
Para Erico Verissimo
O dia abriu seu pára-sol bordado
De nuvens e de verde ramaria.
E estava até um fumo, que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado.
Depois surgiu, no céu azul arqueado,
A Lua - a Lua! - em pleno meio-dia.
Na rua, um menininho que seguia
Parou, ficou a olhá-la admirado...
Pus meus sapatos na janela alta,
Sobre o rebordo...Céu é que lhes falta
Pra suportarem a existência rude!
E eles sonham, imóveis, deslumbrados,
Que são dois velhos barcos, encalhados
Sobre a margem tranquila de um açude...
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
De PAULO LEMINSKI,
RUMO AO SUMO
Disfarça, tem gente olhando.
Uns, olham pro alto,
cometas, luas, galáxias.
Outros, olham de banda,
lunetas, luares, sintaxes.
De frente ou de lado,
sempre tem gente olhando,
olhando ou sendo olhado.
Outros olham para baixo,
procurando algum vestígio
do tempo que a gente acha,
em busca do espaço perdido.
Raros olham para dentro,
já que dentro não tem nada.
Apenas um peso imenso,
a alma, esse conto de fada.
Disfarça, tem gente olhando.
Uns, olham pro alto,
cometas, luas, galáxias.
Outros, olham de banda,
lunetas, luares, sintaxes.
De frente ou de lado,
sempre tem gente olhando,
olhando ou sendo olhado.
Outros olham para baixo,
procurando algum vestígio
do tempo que a gente acha,
em busca do espaço perdido.
Raros olham para dentro,
já que dentro não tem nada.
Apenas um peso imenso,
a alma, esse conto de fada.
RONALD AUGUSTO
O poeta e músico Ronald Augusto estará ministrando a "Oficina de criação literária: o livro de autor em progresso", a partir de segunda-feira, dia 10, na livraria Palavraria. Horários à tarde e à noite. Recomendo!
terça-feira, 4 de janeiro de 2011
Da poeta GABRIELA MISTRAL,
DAME LA MANO
A Tasso de Silveira
Dame la mano y danzaremos;
dame la mano y me amarás.
Como una sola flor seremos,
como una flor, y nada más...
El mismo verso cantaremos,
al mismo paso bailarás.
Como una espiga ondularemos,
como una espiga, y nada más.
Te llamas Rosa y yo Esperanza;
pero tu nombre olvidarás,
porque seremos una danza
en la colina, y nada más...
A Tasso de Silveira
Dame la mano y danzaremos;
dame la mano y me amarás.
Como una sola flor seremos,
como una flor, y nada más...
El mismo verso cantaremos,
al mismo paso bailarás.
Como una espiga ondularemos,
como una espiga, y nada más.
Te llamas Rosa y yo Esperanza;
pero tu nombre olvidarás,
porque seremos una danza
en la colina, y nada más...
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