segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Carlos Drummond de Andrade


Poema de Drummond, do livro A ROSA DO POVO (1943-1945)


PASSAGEM DO ANO

 

O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia
                                                                                                    e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
e de copo na mão
esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles...e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A vida escorre pela boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Luiz Coronel!

 

Às vésperas do Natal, poema de Luiz Coronel:






CANÇÃO DE NATAL


 

Silêncio,

 
              por favor silêncio

apagai a luz.

 
Deixai que durma

entre feno e afagos

o doce Menino Jesus.

 
Por que tantos fogos,

tumultos.

Se para iluminar o Natal

basta a Estrela-Guia

que lá no alto reluz?
 

Se quereis cânticos

que sejam meigas canções

que envolvam em sonho

o sono do Menino Jesus.

 
Fazei de vossas palavras

orações.
 

Sejam vossos gestos

devotos.


Só os pastores chegam

à manjedoura.


Os outros, de mil maneiras,

aplainam madeiras

para construir

uma cruz.

                     

 

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Entrevista


Abaixo, o link para a entrevista que concedi a Selmo Vasconcellos e alguns poemas meus. Obrigada, Selmo!

Sua entrevista. Espero atende-la a contento. Um abraço.
http://www.selmovasconcellos.com.br/colunas/entrevistas/cristina-macedo-entrevista-no-512/

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Ana Cristina Cesar






A editora Companhia das Letras acaba de publicar a obra poética de Ana C. no livro POÉTICA.

 Armando Freitas Filho, também poeta, grande amigo de Ana Cristina, e profundo conhecedor de sua poesia, escreve na apresentação do livro:

"(...) De repente, como que andando na contramão da sua geração, de braço dado com ela em alguns costumes, mas escrevendo com mão diferente um texto cuja mancha gráfica incorporava sem cerimônia a prosa, Ana Cristina apareceu - esfinge clara e singular - sem temer a rejeição, procurando outro leitor e propondo uma nova leitura em nada complacente, muito pelo contrário, uma leitura desafiada."


Dois poemas de Ana Cristina Cesar, do livro INÉDITOS E DISPERSOS:


estou atrás

do despojamento mais inteiro
da simplicidade mais erma
da palavra mais recém-nascida
do inteiro mais despojado
do ermo mais simples
do nascimento a mais da palavra


poema óbvio


Não sou idêntica a mim mesmo
sou e não sou ao mesmo tempo, no mesmo lugar e sob o mesmo
                                                                                ponto de vista
Não sou divina, não tenho causa
Não tenho razão de ser nem finalidade própria:
Sou a própria lógica circundante


sábado, 7 de dezembro de 2013

Dia 11/12!


Na próxima quarta, dia 11, serei a homenageada da 15ª edição do Sarau Gente de Palavra, "invenção" do Renato de Mattos Motta e da Michelle Hernandes. Fiquei feliz! Convite abaixo:


quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Lara de Lemos e Lila Ripoll, homenageadas por Barreto Poeta!


Barreto Poeta dedicou poema às duas poetas gaúchas. Como postei aqui poemas de Lila e de Lara, pedi ao Barreto que me enviasse seu poema, que data de 2004. Pedi também que ele escrevesse um depoimento sobre sua amizade com Lila Ripoll. Aqui estão ambos, o poema e o depoimento:



"Lila, a amiga, doce, culta e singela. De compleição pequena e voz macia, gostosa de se ouvir. Professora, ensaiava jogral com os alunos.  Mas, labora em equívoco quem possa pensar que essas eram características a ocultar, quem sabe, uma tibieza feminina. Ledo engano. Antes, Lila era uma pequena grande Mulher. Assim mesmo, grafado com M maiúsculo.  Não lembro exatamente como a conheci, tenho a vaga lembrança de ter sido um amigo, também Poeta, Edson Salazar de Souza, que era muito seu amigo, quem nos apresentou. A amizade veio  com o tempo e passei a usufruir da honra e do prazer intelectual,  afora o prazer afetivo e amistoso, de frequentar sua residência, em  apartamento ali na Venâncio Ayres, em Porto Alegre. Usufruir, enfim, da honra de ser seu amigo. No seu apartamento ela costumava reunir os mais íntimos para ouvirmos gravações de Poetas tais, como Nicolás Guillén, José Martí, Neruda, ou o famoso discurso de Fidel, em  defesa própria e de seus ideais perante o Tribunal da ditadura de  Fulgêncio. Ouvia-se a tudo em absoluto silêncio. Depois, trocávamos  ideias a respeito, quando ela e o Edson, sobretudo, pontificavam  abrindo luzes nas nossas cabecinhas juvenis e prenhes de fantásticos  ideais. Tanto ela como o Edson tinham bastante mais idade do que a maioria de nós que frequentávamos seu apartamento na ânsia de ouvir e aprender, orgulhosos do exercício daquela amizade tão especial.  Mas também dávamos boas e gostosas risadas, pois Lila era uma pessoa leve e muito alegrinha. Alto astral, como hoje se diria. A ela e ao Edson, devo a qualificação da minha Poesia, se é que alguma qualificação revela-se no meu trabalho com as palavras. O Edson, por visceral, radical e impiedoso na sua crítica ao que então eu - na  certeza juvenil da encarnação  de um novo Maiakóvski- despejava em versos sobre o papel, impunemente. E à Lila, pela doçura, não menos  radical, mas extremamente amável, a me mostrar que bem pouco  - quase nada mesmo - do calhamaço que já havia produzido em versos, constituía-se em verdadeira Poesia. Obrigado querido amigo e querida amiga, não é por acaso que os intitulo de pai e mãe da minha Poesia. Saudades, lembranças, e muita dor pela ausência eterna de ambos... "
  Barreto            
  (Flávio BARRETO Leite)

  02 / DEZ. / 2013
 
 
LARA e LILA
                      ÀS DUAS POETAS,
                    LILA RIPOLL E LARA DE LEMOS
 
Lila e Lara,
Lara e Lila;
mesmo que não soubesse,
saberia.
Pois há sons de lira
em Lara,
há sons de lira
em Lila,
e aos sons de lira
Poesia.
 
Uma,
sei de dor
e amores
declarados em seus versos,
belos versos
adensados;
Outra sei de amiga,
que com o fio
delicado
da sua espada,
afiada em poesia,
cortou-me versos
rombudos,
ensinou-me a identificar
primeiro a maresia,
para só depois
perseguir o mar.
Só depois, pois,
mergulhar
inteiro
na Poesia.
E inquieta,
visionária
e verdadeira,
sentenciou
entre temerária
e materna,
como somente Lila
materna assim
seria:
Quanto a ser Poeta,
nada posso
além do alerta
para a área árida
e solitária
onde a alma sangra
sempre
a cada dia,
e onde poucas,
ou quase nenhuma gota
se faz, além de sangue,
Poesia.                                            
                                                 POA /02 - 07/NOV/04
 
 
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domingo, 1 de dezembro de 2013

Lara de Lemos (1923/2010)


 




Poemas Esparsos
  1999-2000


A pedra

A pedra e o tropeço
foi apenas o acaso
ou o começo?

Depois, a inércia.
A pedra foi castigo,
destino, desgraça?

Matéria que partiu o corpo
como vidro frágil
que se estilhaça.



Tarde de verão

Lembro da tarde
que dilacerou nosso adeus

Lágrimas revelaram
o invisível desespero
os inúteis abraços
os mistérios da morte

Tua ausência nos rodeava
como sangrante corte
na garganta.

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