sexta-feira, 28 de maio de 2010

ÚLTIMA DOSE ANTES DO SARAU

De Renato de Mattos Motta,

NOTURNO 2

sedutora seda
embaraçada em meus dedos
doce amarra
agarra
prende

força de chão
húmus úmido
fecundando
meu grão de homem

MAIS APERITIVO PARA O SARAU

De Mário Pirata,

NAMORAR

cair no laço
agradar-se afeiçoar-se
procurar inspirar amor à
sentir-se atraído, cativo
desejar muito ficar perto
olhar com enlevo
ter namoro com
inspirar e suspirar por
acordar manso ao pensar em
arrebentar-se de saudade

quinta-feira, 27 de maio de 2010

APERITIVO DO PRÓXIMO SARAU, NO DIA 1º. (convite abaixo)

 De Adroaldo Bauer,    

Lamber-te
os lábios
como após
o almoço
salgado, doce
espanto cremoso
áspero limite
língua
dentes
aflito
desejo
ardente
água e fogo
amor
demente.                             

sexta-feira, 21 de maio de 2010

JÚBILO, MEMÓRIA, NOVICIADO DA PAIXÃO, de Hilda Hilst

Em "Ode descontínua e remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio",

                            I I I

A minha Casa é guardiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências
E transmuta em palavra
Paixão e veemência


E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.


A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta


Por que recusas amor e permanência?

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Mais SARAU LITERÁRIO ZONA SUL

O poeta Sidnei Schneider foi meu convidado na 7ª edição do sarau, que aconteceu em março de 2009.
Do livro "Quichiligangues", Editora Dahmer, lançado em 2008, dois poemas de Sidnei:


PROMETEU

Agrada-me o chegar perto do fogo,
no tão próximo onde se desfazem
as certezas, amo o gesto e o risco,
a aventura do fogo, e tanto mais
se for para roubá-lo de Zeus pai.


DESCANSO

acocado na cascata de cascalho,
o talhador de paralelepípedos,
quieto como um cigarro.

de pedra as vestes
e de pó a pele escura,
quase não se o vê
entregue à paisagem.

acostumado ao plique-plique,
o vale de cipós emudece.

como o rival de dinamite,
o silêncio é insuportável.

senha para o recomeço.







Os bailarinos de tango, Daniel Carlos e Evani Wolff apresentaram alguns belos números de tango, após
a também bela poesia de Sidnei Schneider.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

MARIA REZENDE, no livro BENDITA PALAVRA

ANDO CANSADA DE TANTOS CONSERTOS

Tudo na casa dá defeito, inclusive a dona

Carrego tristezas como os franceses carregam baguetes
sem proteção contra a poeira da rua e o suor das axilas

Tenho medo do que desconheço
e me estranho no que me é difícil

"Tentativas e erros" é a expressão correta
os acertos ficaram pra próxima vida

Vivo num corpo que não me escuta
e a eterna luta é fazer da voz carne
e da dor insistência e êxito

Me alimentar do que me frustra
digerir cacos de vidro
pra parir, em meio a espasmos,
alguém com quem eu me divirta
uma mulher que exista, e diga a que veio

domingo, 16 de maio de 2010

VIDA MORNA (conto meu)

             
               Chego tarde, como sempre. Meu marido, na cozinha, toma um café enquanto prepara
nossa janta. E, igual a sempre, pergunta como foi meu dia. Respondo ótimo, trabalhei bastante. Não posso contar que deixei o escritório cedo, e fui ao encontro da turma. Minha turma de mulheres, há alguns dias resolveu extrapolar, e, depois de seduzir aquele stripper, uma delas levou-o para casa. Levou-o não, levamos: eu fiz parte de cada sórdido detalhe. Depois de o exaurirmos a sexo e álcool, alguém lançou a ideia. E ela ficou suspensa no ar. De início, dissemos não, nem pensar. Mas, ela ficou ali, rondando. Não escaparíamos dela.
               - Queres mais um cafezinho, amor? - pergunta meu marido, arrancando-me do devaneio.
               Começo a bebericar aquele café quentinho, e, enquanto ele conta sobre seu dia, quase igual a todos os dias, volto ao desigual do meu. Pois a ideia ficara ali e, por mais que tentássemos evitá-la, não nos deu mais sossego. Eu não sabia por que iríamos fazer aquilo com ele, mas sabia que o faríamos.
               Enquanto não acontecia, o homem ficara amarrado à cama de nossa amiga. Por vários dias. Nós o tratávamos bem, vinho, boa comida, sexo. Ele, prisioneiro. Meio que gostando daquilo tudo, meio que temendo o momento seguinte.
               - O café vai esfriar - diz meu marido, novamente me trazendo para nossa casa.
               Dou alguns goles. Sinto-me inquieta. Meu pensamento foge dali.
               Resolveramos, as amigas, que o desenlace seria hoje. E fomos em frente.
               - A janta ainda demora? - pergunto.
               Quando ele diz 20 minutos, decido tomar um banho. A água que escorre pelo meu corpo, limpa qualquer vestígio de sangue. Penso na cena em que o matamos. Ele se desesperou, incrédulo, e nós batemos sem piedade. Mais e mais, tanto mais ele se debatia.
Quando aquietou-se, quase morto, fui eu quem abriu a bolsa e o atingiu, com vários disparos.
Não podia deixar pedra sobre pedra.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

CONTINUANDO A REVER O SARAU

Na 6ª edição do SARAU LITERÁRIO ZONA SUL, em janeiro de 2009, tive o grande prazer de receber o médico, letrista e escritor José Eduardo Degrazia, que tem mais de 15 livros publicados, em diversos gêneros: poesia, contos, novelas, literatura infantil e romance. No sarau, li um parágrafo do romance "A fabulosa viagem do mel de lechiguana", só para deixar a platéia com água na boca, pelo belo estilo de linguagem que Degrazia usa nesse livro. Depois, nos dedicamos, o poeta e eu, a lermos seus poemas e seus minicontos. Começo com um exemplo, no poema ,

 
DE AMOR E VINHO

Sinto o ar frutado do jardim mais próximo,
lembra vinhos novos, frágeis, bebidos
ao pé-da-serra, prova, vinhos, ninhos,
asa de pássaro fulgente, cimo.

O vento mais quente, de avaras chuvas,
desenha nas parreiras móveis sonhos,
e minha amada, bela, vária, nua,
vai beber do cálice o vinho puro.

A tarde desce lenta, luz de estrela
nova a pascer entre ovelhas de sono,
pintura suave, tinta sobre tela.

Na sombra do parreiral eu colho ervas,
que deposito, amante, nos teus seios,
para ir ao fim sabendo usar os meios.


Dos minicontos, escolho,


NA BARBEARIA

Sentou na cadeira e ficou esperando. No espelho o reflexo do velho e da manicure. Moça de mãos longas e dentes perfeitos. Dedos ágeis manipulam pequenos instrumentos para o deleite do homem. Ela corta cutículas, ele suspira de prazer. Ele fecha os olhos embevecido, ela acaricia, alisa, pinta as unhas da mão grossa cheia de veias azuis. Ela, a profissional. Ele, amante, entrega-lhe definitivamente a mão esquerda.







 
O advogado, músico e compositor Vítor Lobato fez, juntamente com seu filho Cristiano, o pocket-show da noite.  Os dois músicos apresentaram, ao violão, canções com letra de Degrazia e música de Vítor Lobato. Agradaram em cheio!

quarta-feira, 12 de maio de 2010

HOMEM

Esse poema é de minha autoria, e diz assim:

Aquele homem na cama
não vem de mansinho
chega falo, fera, fogo.

Aquele homem na cama
é Eros escrito
Apolo bendito.

Com ele na cama
faço um bacanal
e não tem nada igual.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

ACEITAÇÃO, de Cecília Meireles

É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens
e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos.

É mais fácil, também, debruçar os olhos no oceano
e assistir, lá no fundo, ao nascimento mudo das formas,
que desejar que apareças, criando com teu simples gesto
o sinal de uma eterna esperança.

Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas do mar,
nem tu.

Desenrolei de dentro do tempo a minha canção:
não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

CAIS MATUTINO , de Ribeiro Couto

Mercado do peixe, mercado da aurora:
Cantigas, apelos, pregões e risadas
À proa dos barcos que chegam de fora.

Cordames e redes dormindo no fundo;
À popa estendidas, as velas molhadas;
Foi noite de chuva nos mares do mundo.

Pureza do largo, pureza da aurora.
Há viscos de sangue no solo da feira.
Se eu tivesse um barco, partiria agora.

O longe que aspiro no vento salgado
Tem gosto de um corpo que cintila e cheira
Para mim sozinho, num mar ignorado.

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