sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

ÉLVIO VARGAS EM DOIS POEMAS

Adoro a poesia do alegretense Élvio Vargas, que participou da 3ª edição do SARAU LITERÁRIO ZONA SUL.
Élvio tem dois livros publicados: "O almanaque das estações", de 1993, e "Água do sonho", de
2007.
Do primeiro, leiam,


SEM REPRISE

Quando eu me convoco
alista-se em mim este tempo trêmulo de noites repassadas
eu não me repriso
sou sempre assim
este elevador sem sobrenome instalado nos prédios de
tua intimidade
sonho nu no rodapé da tua notícia
eu não me repriso
sou sempre assim
este desejo classificado no anúncio dos ventos
o tombadilho de teu último navio ancorado na maresia
do meu olhar
hoje
sou estas pegadas de louça na cristaleira frágil da tua
memória
pandorga cega debruçada nos esconderijos da lua
sou assim
viu!!!


Do livro "Água do sonho", o poema que considero dos mais bonitos que li nos últimos tempos:

PROFANA

Lentamente dissipou-se o véu
vencido pelo clarão da manhã.
Os meus reinos ardiam em chamas
palácios, coxias, cocheiras
mergulharam à mercê dos saques.
Um vento nervoso, ofegante
lambia a rosa do seio
eu me exibia
navegando nua
nas profundezas do espelho
abissal, abissínio, abismal.
O centurião das sombras
penetrava-me
e um fogo úmido escorria
pelos súditos das minhas carnes.
Trêmula a barriga da perna
soçobrava
sobre a leveza dos lençóis.
Ventre, púbis, ilíacos
rodopiavam aguados
no pântano morno das secreções.
Os brancos continentes da pele
derretiam-se
ao leve toque da labareda.
Meus orifícios sucumbiam
esvaídos de orgias e pelos.
As coxas torneadas comprimiam
o feroz exercício do desejo.
Uma corte toda rezava
e os súcubos aplaudiam.
A igreja e o santo ofício
queimavam gravetos e lenhas
não vim para ser Maria
Joana, Ifigênia
deixarei apenas vestígios
de profana...

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