segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

PAULO LEMINSKI

RAZÃO DE SER

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
e as estrelas lá no céu
lembram letras no papel,
quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por que?

Mais SCLIAR

Há cerca de quatro anos, mais precisamente, em setembro de 2007, o livro "Ariel", da poeta norte-americana Sylvia Plath, foi lançado na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, em edição bilíngue, traduzido por mim e por Rodrigo Garcia Lopes.

Naquela ocasião, enviei um exemplar a vários escritores gaúchos, entre eles Moacyr Scliar.
Algum tempo depois, abrindo minha caixa de correspondência, me deparei com uma carta de Scliar, escrita de próprio punho. O texto dizia:

"Maria Cristina, parabéns pelo lançamento de "Ariel". O livro ficou belíssimo, e, sem dúvida, representará um marco na tradução no Brasil. Os fãs de Sylvia Plath aplaudem de pé! Grande abraço a ti e ao Rodrigo, de Moacyr Scliar".

Incríveis a atenção e a delicadeza de um escritor de seu porte. Pequena mostra do ser humano que Scliar foi. Fiquei encantada!

A carta foi enquadrada e habita as paredes do escritório de minha casa.

Permaneço triste com esta perda, muito triste!

domingo, 27 de fevereiro de 2011

MOACYR SCLIAR


Irreparável a perda do escritor e médico sanitarista Moacyr Scliar, que faleceu nesta madrugada do dia 27. Scliar, para mim, era um dos grandes escritores brasileiros contemporâneos. Vai fazer falta sua grande e excelente produção literária ficcional. Como ele mesmo dizia, tudo lhe servia de inspiração, e não parava de escrever nunca, "só quando o avião sacudia".
Vai em paz, Scliar! Tristeza, tristeza!

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

De ANNA AKHMÁTOVA, poeta russa (1889-1966)



REVOADA BRANCA
(Biélaia Stáia)
Petrogrado, 1917

Raramente penso em ti.
Teu destino pouco me interessa.
Mas de minha alma ainda não se apagou
o brevíssimo encontro que tivemos.

Evito, de propósito, tua casinha vermelha,
tua casinha vermelha junto ao rio lamacento;
mas bem sei com que amargura
perturbo a tua ensolarada quietude.

Embora não te tenhas inclinado sobre mim
suplicando-me que te amasse,
embora não tenhas imortalizado
o meu desejo em versos dourados,

secretamente lanço encantamentos para o futuro,
sempre que as noites são de um azul profundo,
e tenho a premonição de um segundo encontro,
um inevitável segundo encontro contigo.


                    Tradução de Lauro Machado Coelho

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Do livro "Leia-me toda", de Claudia Schroeder

BOCA

A saliva é uma água morna
cheia de sabores alheios
e instigantes.
Lá tem os beijos de ontem:
o gosto insosso do esposo
o sabor adocicado do amante.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

HILDA HILST, em "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão".

O POETA INVENTA VIAGEM, RETORNO E SOFRE
DE SAUDADE

XIV

Uma viagem sem fim, Túlio, eu te proponho
Um percorrer o mundo, vagaroso, uns caminhares
Largos, entre a montanha e o vale, e acertos
Entre nós dois, nós viajores, nós repensando
Os rios,
E um campo de papoulas nos tomando, um frêmito
Luminoso,
Agudos, inquietantes no entender dos outros,
Lúdicos como convém a cálidos amantes.

Viagem de madrugadas milenares, Sírius intensa,
Tudo ao redor papoulas e cerejas, como convém
A mim, louca de lucidez, e como a ti, Túlio,
Comigo, te convém.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

CAFÉ COM POESIA!

Numa recente tarde de fevereiro, marcamos um café na Palavraria, Adriana Bandeira, Élvio Vargas, Jorge Rein e eu. Deliciosa troca de ideias e de poesia.

Texto de ADRIANA BANDEIRA, inédito, que estará no livro "Indecentes Palavras", a ser lançado muito em breve:

COMO NÃO ESTAR NUA NUMA INVASÃO DE ESTRELAS

Agradeço, capitão, o convite nesta viagem. Seja bem vindo ao meu
aposento, porque sei que daqui enxergamos a galáxia nua e as outras
possíveis, onde tem água. Veja bem que desta janela não enxergamos
o óbvio, a viagem já vista, a repetição. Vemos o que o tempo nos
oferece, desde a estrela extinta que para nós aparece, até o próximo nem
tão morto vulcão. Repara que estamos desajeitados, porque meu
aposento também é quarto e tememos a cama e seu colchão. Ora, para
quem se vê tão pequeno diante de mundos inteiros, como não se sentir
próprio na nudez de lençóis? Venha, capitão, isso vai ficar entre nós.




Mais Adriana no blog: http://indecentespalavras.blogspot.com/

Mais um poema da PAULA TAITELBAUM, no livro "Mundo da lua".

Meu suor cola nas tuas coxas quentes quero quem me dera
Nossos líquidos ligeiramente lânguidos e me alargo em louca esfera
Entras como se fosses vento e tento sentir no ventre o âmago de tuas veias
Vou vôo vôngole sou mole sou lenta sonolenta me vejo cheia
E vais e fico te fito infinito faminta sou tinta fora da tela
Teu suor cola nas minhas coxas quentes enquanto suspiras saciado
por elas.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

"Mundo da lua", de PAULA TAITELBAUM

Nem sei de onde veio
Mas quando vi tinha meu seio
Em sua suada mão
Senti seu hálito quente
Falo e fala dormente
Como uma parte de mim
Naquela noite
Dançamos assim
Rosto colado
Sem música
Só rebolado.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

EMILY DICKINSON, "Poemas Escolhidos".

No original, e na tradução de Ivo Bender, coleção pocket, da editora L&PM.


All the letters I can write                        
Are not fair as this -                             
Syllables of Velvet -                               
Sentences of Plush,                              
Depths of Ruby, undrained,               
Hid, Lip, for Thee -                                
Play it were a Humming Bird -             
And just sipped - me -  


Nenhuma das cartas
Que eu escreva
É tão bela quanto esta -
Sílabas de veludo,
Sentenças de terciopelo,
Profundezas de rubi não drenadas
Escondidas num beijo para ti;
Faz de conta que esta é um beija-flor
Que ainda há pouco me sugou.                      
                   
                                                        
                

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, em "Claro Enigma".

AMAR


Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amar sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede  infinita.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

MARIA REZENDE, no livro BENDITA PALAVRA



PRO INFERNO COM O AMOR DE TARDES RASAS
que dorme cedo e tem hora pra chegar
pro inferno com o que é dúvida e se espalha
feiro ratos em bando pela estrada

Já chega de afiar faca na noite
e de aflições que vêm de berço e não têm fim
descanso é ar no peito e uma certeza
não é mais hora de testar limites assim

Não quero mais o alívio que redime
e cuja origem é a mesma do terror
os medos que carrego já me bastam
eu sou na vida o antídoto pra dor

Pro inferno com essa festa de tristeza
não cabe mais angústia no salão
ação não é o antônimo de calma
e o que lateja, meu amor, nem sempre é bom

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

De CHACAL,

rápido e rasteiro

vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar.

aí eu paro
tiro o sapato
e danço o resto da vida.

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